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Simetria, Anti-simetria e Quebra de Simetria VI

Assim, fasores podem representar uma tensão elétrica, uma carga elétrica, uma corrente elétrica ou uma impedância elétrica, e as operações algébricas entre eles continuam significando comportamentos da Natureza. É inevitável, então, continuar perguntando: que outras operações entre vetores representam fenômenos da Natureza? Que álgebras de vetores são capazes de desvendar o comportamento da Natureza?  Até onde pode o Homo sapiens sapiens ir nessa linha de investigação da Natureza?

Simetria, Anti-simetria e Quebra de Simetria IV

Não foi muito fácil a aceitação do conceito de vetor pelos matemáticos e físicos. Em nossa caminhada na busca por simetria, anti-simetria e quebra de simetria, conviria recordarmos um pouco a luta ideológica entre alguns cientistas em torno da idéia de vetor antes que ela fosse amplamente aplicada em Matemática e Física.

Sir William Rowan Hamilton (1805-1865, Irlanda) era fascinado pela relação entre o conjunto dos números complexos C e a geometria plana e tentou, durante anos, inventar uma álgebra mais ampla que faria na geometria espacial o que os números complexos já faziam no plano. O mês de outubro de 1843 foi um grande mês para Hamilton e para a História da Matemática.

“Every morning in the early part of the above-cited month, on my coming down to breakfast, your (then) little brother William Edwin, and yourself, used to ask me: ‘Well, Papa, can you multiply triplets?’ Whereto I was always obliged to reply, with a sad shake of the head: ‘No, I can only add and subtract them.’”

Em 16 de outubro de 1843, enquanto caminhava com sua esposa pelo Royal Canal, para uma reunião da Royal Irish Academy in Dublin, Hamilton teve uma visão de como resolver o problema que o obcecava há anos.

“That is to say, I then and there felt the galvanic circuit of thought close; and the sparks which fell from it were the fundamental equations between i, j, k; exactly such as I have used them ever since.”

Hamilton, então, riscou a pedra da Brougham Bridge com a tão sonhada fórmula de multiplicação dos quaternions H: i2 = j2 = k2 = ijk = –1. Usando o termo “vetor” para expressões da forma a + bi + cj, sendo a, b e c números reais, ele queria saber como multiplicar duas expressões desse tipo de modo que a multiplicação fosse análoga à multiplicação complexa.

Conseguira grande êxito em óptica e dinâmica. Arriscou-se a ganhar a indiferença de seus contemporâneos dedicando todo seu talento à busca dos quaternions e P. G. Tait (1831-1901, escocês) seu único discípulo, dedicou-se em Matemática exclusivamente aos quaternions.

Quaternions tornaram-se a moda da época. Em Dublin era um tópico obrigatório nos exames, e em universidades americanas era o único tópico avançado de matemática. Tait de Edimburgo condenou Josiah Willard Gibbs (1839-1903, Estados Unidos) quando este inventou a nossa notação para o produto escalar e para o produto vetorial: “hermaphrodite monstrosity”. Começou uma guerra de polêmicas com Lord Kelvin (W. Thomson Kelvin, 1824-1907, escocês) e Oliver Heaviside (1850-1925, inglês) defendendo os “vetores” contra os “quaternions”.

Tait e Kelvin escreveram um famoso livro Treatise on natural philosophy (1879) no qual apresentavam a força dos quaternions como instrumento de exposição e de investigação em mecânica. Tait exortou Lord Kelvin a arrepender-se de seus pecados cartesianos e a abraçar a verdadeira fé dos quaternions. Porém, Lord Kelvin declarou que a matemática de boa qualidade de Hamilton havia terminado com suas obras de óptica e dinâmica. Lord Kelvin persistiu em suas iníquas coordenadas cartesianas. No entanto, Tait foi mais bem sucedido com J. Clerk Maxwell (1831-1879, escocês), o famoso físico criador das equações do eletromagnetismo em Treatise on electricity and magnetism (1873).

“Estou convencido ... de que a introdução das idéias, ainda que não das operações e dos métodos dos quaternions, será de grande utilidade ... especialmente em eletrodinâmica ...”

    Maxwell evitou cuidadosamente os quaternions exceto ao fazer um resumo das equações eletromagnéticas. O que Maxwell usou realmente foram as idéias que ele próprio concebeu da análise vetorial. As noções introduzidas por Maxwell como a de convergência, que é o oposto da divergência conhecida hoje, foram inovações que duraram muito.

        Gibbs derivou dos quaternions sua análise vetorial de 1880 e Heaviside, em sua obra Electromagnetic theory, usou um capítulo de 173 páginas para elaborar sua própria notação vetorial. Os métodos de Heaviside eram parecidos com os de Gibbs, mas Heaviside não gostava da notação de Gibbs. Em 1900 a luta, em países de língua inglesa, entre aqueles que queriam aplicar vetores em Física, havia se reduzido a Gibbs contra Heaviside. Tait morreu em 1901 e nos Estados Unidos prevaleceu a análise vetorial de Gibbs.

        “No final, os quaternions perderam aquela guerra e caíram em desgraça da qual nunca mais se recuperaram completamente.” Essa é a opinião de alguns historiadores, como Bell e Boyer, os quais estudamos e utilizamos para escrever essas linhas. Mas, e no futuro? Não seria mesmo possível que os quaternions se reabilitassem? Veremos, mais tarde, que muitas surpresas nos aguardam.

        Embora Hamilton não tivesse encontrado a álgebra análoga à álgebra C dos complexos em 3 dimensões (e não poderia porque essa álgebra não existe como foi demonstrado mais tarde), a álgebra H dos quaternions tem o mesmo papel fundamental para o estudo das rotações no espaço tridimensional que a álgebra C tem para o estudo das rotações no plano. A álgebra H também é de grande importância para o estudo de rotações no espaço de quatro dimensões.

        Consideraremos um quaternion como um vetor do espaço R4. Definimos a multiplicação de quaternions de modo que valha a lei distributiva e as relações de Hamilton.

        Sejam q = a1 + bi + cj + dk e r= A1 + Bi + Cj + Dk dois quaternions. É importante notar que a, b, c, d, A, B, C e D são números reais e i, j e k são raízes quadradas de -1. Aqui está a pista que leva ao futuro. William Kingdon Clifford (1845-1879, inglês) antecipou a Teoria da Relatividade de Einstein (On the Space-Theory of Matter (1876)) e, entre outras descobertas, vislumbrou que a invenção de novas raízes quadradas de -1 (tais como i, j e k), assim como de qualquer outro número, conduzia a álgebras interessantes que, mais tarde, permitiriam aos físicos compreender simetrias, anti-simetrias e quebras de simetria da Natureza. Voltaremos, oportunamente, às idéias desse brilhante matemático inglês que viveu apenas 34 anos.

        Assim, temos:

 

qr= (a1 + bi + cj + dk).(A1 + Bi + Cj + Dk) =

= aA 1.1 + aB 1.i + aC 1.j + aD 1.k + bA i.1 + bB i.i + bC i.j + bD i.k + cA j.1 + cB j.i + cC j.j + cD j.k + dA k.1 + dB k.i + dC k.j + dD k.k =

= aA 1 + aB i + aC j + aD k + bA i + bB (- 1) + bC k + bD (- j) + cA j + cB (- k) + cC (- 1)  + cD i + dA k + dB j + dC (- i) + dD (- 1) =

= (aA - bB- cC- dD) 1 + (aB + bA + cD- dC) i + (aC + cA + dB - bD) j + (aD + dA + bC - cB) k .

 

        Analogamente aos complexos, os quaternions q = a1 + bi + cj + dk possuem duas partes: a parte real R(q) = a1 e a parte pura P(q) = bi + cj + dk. Todo quaternion da forma bi + cj + dk é denominado um quaternion puro. O conjugado do quaternion q = a1 + bi + cj + dk é o quaternion q* = a1 - bi - cj - dk.

Algumas propriedades dos quaternions são: (a) q** = q para todo quaternion q; (b) q* = q se, e somente se, qÎ R; (c) q* = - q se, e somente se, qÎ R3; (d) (q + r)* = q* + r*; (e) (qr)* = q*r*; (f) qÎ R3 se, e somente se, q2 Î R-; (g) qÎ R se, e somente se, q 2 Î R+.

        Outras propriedades interessantes dos quaternions são, por exemplo, qr = (1/2) (q*r + r*q) onde o ponto em negrito “” indica o produto escalar usual de vetores. Outras, muito importantes, também existem como o comprimento de um quaternion definido pela fórmula: ||q|| = (qq*)1/2 que satisfaz a relação: ||qr|| = ||q|| ||r||. Também temos a seguinte propriedade muito importante: se um quaternion q não é o vetor zero, então ele possui um inverso multiplicativo. Isto é, q-1 = q*/ ||q||2.

        A álgebra dos quaternions não é comutativa, isto é, não vale qr = rq. Entretanto, ela é associativa, isto é, (qr)s = q(rs).

        Na próxima coluna estudaremos, um pouco, a capacidade dos quaternions em descrever rotações no espaço. Apesar de não valer a propriedade comutativa da multiplicação, os quaternions têm virtudes matemáticas e físicas significativas. O nosso maior interesse é saber se a álgebra dos quaternions pode ser ampliada para dimensões mais altas. Mais tarde veremos que existem apenas duas outras estruturas algébricas semelhantes aos quaternions que os contêm: os octonions em dimensão oito e os números de Cayley em dimensão dezesseis.

        Os octonions não satisfazem a propriedade comutativa e a propriedade associativa da multiplicação, mas tanto para complexos e quaternions quanto para octonions, se qr = 0, então q = 0 ou r = 0. Por isso essas álgebras são chamadas de álgebras com divisão. Isso não é verdade para os números de Cayley. Isto é, dois números de Cayley podem satisfazer qr = 0 sendo ambos não nulos.

        Podemos dizer, então, que álgebras reais com divisão se esgotam em dimensão oito, ou seja, nos octonions, como foi demonstrado por matemáticos do Século XX. Seria essa obstrução um sinal da incapacidade da Matemática em captar a intimidade da Natureza? Ou não seria esse um sinal de que a Natureza não é infinitamente complicada e as operações com os octonions são suficientes para ela realizar seus padrões fundamentais?

        De qualquer forma, é intrigante, e ao mesmo tempo fascinante, essa obstrução para a existência de álgebras reais com divisão.

        A nossa pergunta, futuramente, será: qual é a capacidade dos octonions para descrever os padrões fundamentais do Universo? Há um longo caminho a ser percorrido, mas esperamos que o cansaço seja regiamente compensado pela paisagem.