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A irrazoável efetividade da matemática (I)

Em 1959, em sua “Richard Courant Lecture in Mathematical Sciences”, na Universidade de Nova Iorque, Eugene Wigner tornou famosa essa expressão.

Observou que os conceitos matemáticos oferecem, inesperadamente, uma descrição muito acurada de um fenômeno. Wigner dizia que, uma vez que não sabemos a razão de a matemática ser inesperadamente útil, não estamos aptos a dizer com certeza se uma teoria, que consideramos verdadeira, seja univocamente apropriada ao fenômeno ou não.

Para Wigner, e para todos nós outros, a utilidade da matemática pode ser um grande mistério e não ter explicação racional.

O matemático do jogo da vida do indivíduo (MJVI) tem, com essa fascinante questão, uma oportunidade de testar sua estratégia minimalista (“Ver para crer I, II, III”, colunas anteriores) da impossibilidade lógica da criação, verificando se é possível imaginar um modo de contornar a controvérsia em torno da frase de Wigner.

O plano é simples. Examinar alguns pensamentos e visões sobre a famosa expressão e mostrar que estão impregnados pela antiga e arraigada crença de que “existem coisas” e elas povoam o “mundo natural” que, por sua vez, também é uma “coisa”, todas elas observadas pela “coisa pensante”, ou “rex cogitans” como propôs Descartes. Como, pelo axioma da impossibilidade da criação, “coisas não existem”, porque teriam que ser “criadas”, e esse processo seria um regresso ad infinitum, então, o MJVI instantaneamente vislumbra as razões da controvérsia ao ficar claro que estas não são mais do que disputas pelo poder de possuir a verdadeira descrição das “coisas do mundo”.

Pitágoras nos legou a ideia de que “número é a linguagem do Universo”, Galileu propôs a ideia de que “as leis da natureza são escritas na linguagem matemática”, e Newton, Einstein, e muitos outros, as amplificaram magnificamente. Wigner juntou-se ao côro e observou que apenas alguns conceitos matemáticos são usados na formulação das leis da natureza e não são escolhidos arbitrariamente.

Natureza, Leis da Natureza, Universo e número são evidências irrefutáveis de que uma autoconsciência, mesmo após milhares de anos de experiência, continua convencida de que os seres de sua imaginação possuem “existência automática e inquestionável”.

Convém lembrar, nesse ponto, que para o MJVI o Ser não se confunde com o Existir, e que o maior mistério insondável é um plausível impulso que faz vibrar o “NADA” permitindo que o Ser pareça se manifestar.

Para a autoconsciência convencida da existência do mundo natural, um elemento do grande mistério da efetividade da matemática é o fato de que o físico encontra um conceito matemático, que descreve da melhor maneira um fenômeno, e descobre que o matemático já o havia desenvolvido independentemente.

Por exemplo, números e funções complexas e seu papel na formulação do espaço de Hilbert complexo, tão essencial em mecânica quântica.

O MJVI observa aqui que, se por um lado Newton encontrou o cálculo de seu professor Isaac Barrow e as curvas do plano cartesiano preparadas por Fermat e Descartes, por outro lado ele colocou movimento nos pontos (x, y) e os dotou de fluxões, ou infinitésimos móveis, acabando por descobrir que toda curva razoável em algum sentido possuía velocidade instantânea e, portanto, abrindo uma imensa avenida para exploração matemática que se denominou “Cálculo Diferencial e Integral” que, por sua vez, serviu a Laplace, para descrever o céu de estrelas e planetas em sua Mecânica Celeste, animando-se a declarar a Napoleão não ter precisado da hipótese de um “criador”.

Para o MJVI, são indisputáveis as importâncias que a matemática e a física têm uma para a outra. Portanto, o físico encontra o conceito matemático pronto tanto quanto o matemático evolui e se inspira na imaginação física, além de ver alguns de seus difíceis problemas serem resolvidos por físicos teóricos. Os matemáticos concederam sua medalha máxima (medalha Fields) a Edward Witten por suas surpreendentes imaginações físicas solucionando difíceis problemas, quase impossíveis, até então, do ponto de vista exclusivamente matemático, de geometria algébrica, a menina dos olhos de um grande número de matemáticos importantes.

Não se trata de objetos do mundo natural determinando objetos matemáticos, nem tampouco do contrário. Trata-se sim, para o MJVI, de imaginações inspirando-se umas nas outras, lembrando o comportamtento daqueles grãos celulares cilíndricos, em documentários sobre microscópios eletrônicos, batendo-se uns contra os outros, como se quisessem fundir-se em uma estrutura maior.

Para o MJVI, a matéria viva segue um Princípio de Prazer buscando estruturar-se em sistemas de informação maiores e complexos, principalmente os mais prazerosos. As imaginações físicas e matemáticas cumprem sua tradição arquetípica que, por sua vez, remonta ao mistério maior da instabilidade do “NADA” resvalando em aparências do Ser. Assim, para o MJVI, não há surpresas de efetividade de “coisas matemáticas sobre coisas físicas”. Há, apenas, a continuidade do mistério maior, e dos mistérios menores como a evolução da matéria viva motivada pelo prazer da transformação de energia em imaginação e pela busca de realização do maior dos desejos, justamente o de existir.

Wigner argumentava que os conceitos matemáticos não são úteis acidentalmente, mas são necessários porque constituem a linguagem correta da natureza. Entretanto, ele também salientava que teorias falsas, como o primeiro modelo do átomo de Bohr, os epiciclos de Ptolomeu e a teoria do elétron livre, assim como algumas tidas como verdadeiras (por exemplo, eletrodinâmica quântica) fornecem resultados surpreendentemente acurados.

Na visão do MJVI, se houvesse uma maneira de distinguir as teorias falsas das verdadeiras, que se preservasse para sempre, então estaria “criada” aí uma “coisa do mundo real”. Portanto, não há surpresa, embora não seja uma imaginação trivial, com a impossibilidade de distinção entre teorias verdadeiras e falsas.

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