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Números primos em progressão aritmética

Sabemos que um número inteiro positivo é primo se ele é divisível apenas por ele mesmo além do 1. Os números primos desempenham um papel fundamental na Aritmética, análogo ao papel dos átomos na estrutura da matéria, isto é, os números inteiros que não são números primos podem ser expressos como produto de números primos. Portanto, qualquer número inteiro maior que 1 ou é um número primo, ou é expresso como um produto de números primos.

Embora a noção de número primo, no sentido acima, pareça óbvia, em geral, questões envolvendo números primos não são fáceis de serem respondidas no atual estágio da matemática. Por exemplo, todo número ímpar se expressa na forma 4x + 1 ou 4x + 3; portanto, perguntamos quais são os primos da forma 4x + 1 e quais são os primos da forma 4x + 3. Será que se gerarmos as seqüências numéricas da forma acima, substituindo-se x por inteiros positivos, as seqüências resultantes apresentarão um número infinito de números primos?

Euclides de Alexandria (aproximadamente 300 A.C.) deu uma demonstração bastante engenhosa de que existe um número infinito de números primos. O mesmo argumento dado por Euclides pode ser utilizado para se demonstrar a infinidade de primos da forma 4x + 3. Como 2 é o único primo par, o conjunto dos números primos ímpares se divide em duas famílias:

i)  5, 13,17, 29, 37, 41, 53, 61, 73, 89, 97, 101, 109, 113, 137, 149, 157, 173...;

ii)  3, 7, 11, 19, 23, 31, 43, 47, 59, 67, 71, 79, 83, 103, 107, 127, 131 139, 151, ...

onde a primeira seqüência de números se refere aos primos da forma 4x + 1 e a segunda aos primos da forma      4x + 3. Vamos demonstrar que existem infinitos primos do tipo 4x + 3 utilizando o método de Euclides que demonstra a existência de infinitos primos.

De fato, suponhamos que existisse um número finito de números primos da forma 4x + 3; vamos denominá-los     q1, q2, q3, ... , qn. Considere o inteiro positivo:

N = 4 q1.q2.q3. ... .qn – 1 = 4 q1.q2.q3. ... .qn – 4 + 3 = 4 ( q1.q2.q3. ... .qn- 1) + 3

e seja N = r1.r2.r3. ... .rM a sua decomposição em números primos. Como N é um inteiro ímpar, segue-se que rk  é diferente de 2, para todo k, e cada rk  é, portanto, da forma 4x +1 ou 4x + 3. Contudo, o produto de dois ou mais inteiros da forma 4x +1 resulta em um inteiro também dessa forma, isto é,

(4m + 1).(4n + 1) = 16mn + 4m + 4n + 1 = 4(mn + m + n) + 1 = 4z + 1.

Sendo assim, segue-se que N possui pelo menos um fator primo da forma 4x + 3, digamos r= 4x + 3.

Agora, afirmamos que ri  não é um elemento da nossa lista original e finita de números primos:    q1, q2, q3, ... , qn. De fato, caso contrário teríamos ri = qj, para algum primo qj da nossa lista original de primos e, então, ri dividiria o produto q1.q2.q3. ... .qn. Por outro lado, sendo ri um fator de N, ri divide N - 4 q1.q2.q3. ... .qn = -1. Logo, ri divide –1. Sendo assim, concluímos que existe um número infinito de primos da forma 4x + 3, pois, assumir que existe um número finito de primos da forma 4x  + 3 nos leva a uma contradição.

A pergunta seguinte seria: existe um número infinito de primos da forma 4x + 1? A resposta é afirmativa, porém devemos utilizar um outro argumento. Uma situação semelhante surge em relação às seqüências de números da forma 6x + 1 e 6x + 5.

Observe que se gerarmos a seqüência de números da forma 4x + 3:

3, 7, 11, 15, 19, 23, 27, 31, 35, 39, 43, 47, 51, 55, 59, 63, 67, 71, 75, 79, 83, 87, ... ,

a diferença entre um termo da seqüência e o seu antecessor é sempre igual a 4.

 

O mesmo ocorre em relação às seqüências da forma 4x + 1, 6x + 1 ou 6x + 5. De fato, temos a seguinte definição: “uma Progressão Aritmética é uma seqüência de números inteiros em que a diferença entre um termo (a partir do 2o.) e o termo antecedente é sempre a mesma”.

 

Será que o fato de existirem infinitos primos em algumas progressões aritméticas, como as citadas acima, pode ser generalizado?

 

Observe que as progressões citadas acima são da forma b + ax onde a e b são fixados e x = 0, 1, 2, 3, 4, 5, ..., isto é, elas são da forma

b, b + a, b + 2a, b + 3a, b + 4a, ... .

Se a e b possuem um fator comum, então a progressão aritmética não contém números primos, pois todo elemento da progressão tem esse fator. Por exemplo, consideremos a progressão aritmética dada por 6 + 2x, isto é,

6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24, ... .

Observe que 2 é fator comum de 2 e de 6, e todo termo da progressão tem o número 2 como fator. Esse fato sugere que devemos considerar progressões b + ax em que a e b sejam primos entre si para obtermos um número infinito de primos da forma especificada b + ax. Parece que o matemático Legendre foi o primeiro a perceber a importância dessa questão e,  em 1808, publicou a seguinte conjectura: “Se  a ≥ 2 e b ≠ 0 são inteiros positivos e primos entre si, então existe uma infinidade de números primos na progressão aritmética

b, b + a,  b + 2a, b + 3a, ... .”

Essa conjectura se transformou em um teorema de grande importância e foi demonstrada por Dirichlet em 1837. Esse resultado foi monumental por uma série de razões. Dirichlet baseou-se na idéia original de Euler para demonstrar a infinitude dos primos. Foram utilizados métodos analíticos revolucionários tais como séries infinitas, convergência de séries, limites, logaritmos, etc., e muitos outros conceitos até então estranhos à teoria dos números inteiros. A demonstração de Dirichlet é considerada como uma das primeiras aplicações importantes de métodos analíticos em teoria dos números e proporcionou novas linhas de desenvolvimento. As idéias subjacentes aos argumentos de Dirichlet são de um caráter bem geral e foram fundamentais no desenvolvimento do trabalho subseqüente de aplicação de métodos analíticos em teoria dos números.

Em 1949, o matemático Atle Selberg deu uma demonstração elementar do teorema de Dirichlet, análoga à demonstração que dera anteriormente do teorema do número primo.

Dirichlet também demonstrou que qualquer forma quadrática em duas variáveis, isto é, qualquer forma do tipo ax2 + bxy + cy2   onde a, b, c, são primos entre si, geram uma infinidade de primos. Não se sabe muito sobre outras formas que gerem infinitos números primos.

Por outro lado, podemos demonstrar que não existe progressão aritmética em que todos os termos são números primos. Até o século passado, um velho problema em aberto consistia em se determinar uma progressão aritmética arbitrariamente longa, porém finita em que todos os termos fossem números primos.

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