Ver para crer ... . (I)
Para o matemático do Jogo da Vida do Indivíduo (MJVI), a "existência das coisas" não está demonstrada. A "Existência" não se confunde com o "Ser". O Ser é, apenas, para a autoconsciência como descobriu Sartre, porque a consciência é apenas para si, e não em si, como queria Descartes. A consciência do indivíduo é para seu corpo como o equilíbrio é para o “corpo” ciclista-bicicleta. A Existência é uma imaginação de outra imaginação supostamente imposta pelo “exterior” e independentemente à autoconsciência e, portanto, extremamente problemática.
Toda teoria possui um elemento fundamental inobservável. Às vezes, até mais de um. Caso contrário, não seria “teoria”, mas sim fato observável. Por exemplo, na Matemática, todos os elementos são inobserváveis. Na Física, cada teoria contém pelo menos um desses elementos. Por exemplo, a força na teoria newtoniana é um inobservável fundamental que suporta a teoria gravitacional de Isaac Newton. Outros inobserváveis fundamentais na Física como um todo teórico são as Leis do Universo. Por um lado, porque são leis matemáticas e, portanto, impossíveis de serem observadas precisamente. Por outro lado, porque nenhum observador “observa o Universo todo funcionando de fato com suas leis”.
O “inconsciente” suposto por Freud é outro exemplo de inobservável que serve de suporte fundamental para uma teoria, neste caso a teoria psicanalítica de que a maior parte da produção de imaginações pelo aparelho psíquico não é acessível à autoconsciência.
A Ciência, portanto, parte de hipóteses inobserváveis sobre o “mundo real” e tenta prever e descrever o comportamento desse mundo, enquanto que a Matemática é integralmente inobservável. Por exemplo, não há como se observar um número, um triângulo, um conjunto, ou ainda uma relação de equivalência ou um cardinal transfinito. Uma questão interessante para o MJVI é a seguinte: para onde evoluem as “ciências” ao longo da história humana? Portanto, as teorias físicas estão fundamentadas em modelos matemáticos que, por sua vez, são constituídos por elementos puramente imaginários, abstratos e inobserváveis.
Não é difícil imaginar, diria o MJVI, onde irão desembocar aventuras que se originaram em imaginações invisíveis aos sentidos comuns, ou seja em inobserváveis. No caso da Física, se ela parte de inobserváveis fundamentais, como não há milagres, ela, no máximo, irá sofisticar sua concepção do inobservável e, portanto, retornar a ele, ao inobservável, se é que em algum momento chegou, de fato, a se afastar dele. Para o MJVI, basta imaginar qual é o Ser de “meia partícula” para se alcançar o invisível, ou o retorno ao inobservável. Ou ainda, imaginar a partícula “em si mesma” e “ver uma nuvem de probabilidades”, protótipo do futuro do inobservável.
Assim, o MJVI vê com naturalidade a Física mergulhando cada vez mais no invisível e complicando sua vocação de “ver para crer ... ”.
Quanto à Matemática, o MJVI tem consciência de que ela supõe ter cancelado a Torre de Babel, encantada com o estabelecimento de axiomas e postulados que, ao mesmo tempo, serviram para evitar as cadeias infinitas de “porquês”. A proliferação explosiva de conhecimentos e teorias afasta, cada vez mais, a possibilidade de um “centro atrator”, de uma “verdade final”, que poderia “unificar” as áreas da Matemática em torno de um “significado cada vez mais claro e universal” no sentido de unificado, uma espécie de “Torre da Concordância”, cada vez mais “sólida”, um ponto de convergência oposto à Torre de Babel.
A imaginação, produto exclusivo e único da psique humana, cria o "ser de uma coisa", mas a "sua existência" é outra imaginação de tipo muito diferente. Quando Demócrito sugere que o átomo é a menor quantidade de uma coisa real, não o faz ingenuamente. O MJVI vê com clareza o procedimento que se tornou paradigmático na Ciência. A descrição de uma “coisa” sofre duas pressões avassaladoras: a primeira, e mais fundamental, é a necessidade de satisfazer o maior de todos os desejos da psique, o de existir, incorporado pela matéria em sua evolução misteriosa, guiado por um não menos misterioso "Princípio de Prazer" postulado pelo gênio de Sigmund Freud. A segunda, subordinada à primeira, é o desejo de reconhecimento e de poder na Interneuro (recordando, esta é a rede de autoconsciências que compartilham a crença de que “existem em um mundo real”).
Analisemos mais de perto as duas teses fundamentais do MJVI. Exemplos podem facilitar sua explicação dessa "Teoria da Existência das Coisas". Imaginemos uma pedra que pode ser manuseada e quebrada em dois pedaços, ou uma folha de papel que pode ser rasgada em dois pedaços. Ora, a "realidade de uma coisa" é seriamente questionada de modo irreversível se ela "deixa de existir" facilmente. A conclusão óbvia é que a pedra e a folha são meras ficções de realidade porque está claro que elas podem facilmente exibir sua "frágil permanência na realidade". Comparemos com a "existência da alma" que seria supostamente "imortal", isto é, não pode "deixar de existir". Uma alma não pode, supostamente, ser dividida por dois. Não há como imaginar "meia alma". Logo, uma "alma existe" porque é supostamente "indestrutível, imortal e indivisível". Uma coisa sem estas propriedades não passa de uma imaginação sem significado transcendente. Por uma simples divisão, a pedra e a folha não estão disponíveis à visão da autoconsciência do modo como o próprio "eu" está, "cuja imaginação de que existe nunca pode ser afastada", desejo irresistível de Descartes. O próprio corpo é o referencial fundamental de realidade para a autoconsciência. Qualquer outra "coisa real" tem que ser detectada pelo corpo ou por suas “extensões naturais” que são os "instrumentos de medida".
O MJVI observa que o argumento da divisão é fatal para a sustentação da hipótese de realidade de uma coisa. Em outras palavras, é o avassalador poder de questionamento da Matemática que obriga a imaginação de Demócrito a deslocar a realidade de uma coisa para o nível atômico. A divisão por dois é um terrível ataque à imaginação da realidade de uma coisa. Analogamente, a imaginação de Zenão de Eléia denuncia a impossibilidade do movimento, uma vez que toda distância precisa, para ser percorrida, primeiramente, ter sua metade percorrida, e esta, por sua vez, precisa que sua metade seja percorrida, isto é, um quarto da distância original, e assim por diante, portanto, tornando a realidade do movimento pura imaginação sem significado transcendente.
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