Duas notícias de importância inestimável
Tanto a Lei de Gauss quanto a abordagem de Maxwell são conseqüências diretas de um ponto de vista que procura explorar simetrias e anti-simetrias na Natureza e na Matemática, e as analogias entre elas.
Simetria, Anti-simetria e Quebra de Simetria VIII
Francis Bacon, Novum Organum
Poderíamos ainda explorar o assunto simetria, anti-simetria e quebra de simetria por mais alguns anos, por meio do desenvolvimento matemático da álgebra de vetores, sem que o fascínio inerente a ele se desgastasse sequer uma minúscula porção. O aprofundamento desse tratamento poderia seguir uma trajetória ascendente na direção da elucidação da intimidade da matéria e de seu relacionamento com o universo observável.
Uma maneira de se concretizar essa idéia seria seguir o livro de Geoffrey M. Dixon, Division Álgebras: Octonions, Quaternions, Complex Numbers and the Algebraic Design of Physics. Só existem quatro álgebras com divisão: os números reais, os números complexos, os quaternions e os octonions. Dixon utiliza uma estrutura matemática recente chamada álgebra com divisão adjunta em relação à qual as quatro álgebras com divisão aparecem no papel de spinor spaces.
Decifrar o significado desses termos consumiria mais alguns anos de nossas vidas. Dixon acredita que essa parte da Matemática é suficiente para descrever e desvendar a estrutura de nossa realidade física e, para provar que está certo, ele deduz dessas álgebras parte do famoso modelo padrão, os léptons e os quarks, partículas fundamentais do núcleo do átomo. Entender o raciocínio de Dixon constitui-se em uma motivação nobre para a vida humana. Faremos uma mudança temporária em nossa rota para examinar algumas das outras motivações igualmente nobres que estão agora disponíveis.
Principalmente matemáticos e físicos não podem reclamar da falta de motivação para estarem vivos no atual momento histórico. No mundo da Física-Matemática existe um grande número de belas e profundas teorias, com impacto ainda desconhecido sobre a vida humana e sobre a capacidade do Homo sapiens sapiens interferir na Natureza. Alguns até afirmam que esse é o melhor momento que já houve na história humana para se viver devido ao ponto atingido pelo desenvolvimento da Ciência e Tecnologia, particularmente da Matemática e da Física, além, sem dúvida, da Economia, e ao fato de esse ponto ser um formidável ponto de mutação tecnológica.
Gostaríamos de selecionar duas notícias de importância inestimável, especialmente àqueles que gostam de Matemática e a cultivam de alguma forma. A primeira é sobre a extraordinária conquista do matemático francês Alain Connes e seus colaboradores.
Essa notícia saiu na Scientific American do Brasil (SCIAM), em setembro de 2006. Connes aguarda ansiosamente o início do funcionamento do Grande Colisor de Hádrons em Genebra, Suíça, para comprovar, ou não, nesse laboratório a existência da partícula de Higgs. Essa partícula já é conhecida por físicos e matemáticos há muito tempo, mas Connes deduziu sua existência a partir de seu modelo de espaço não–comutativo: “Em vez de buscar novas partículas, desenvolvemos uma geometria mais sutil, e refinamentos dessa geometria geram as novas partículas” disse ele à SCIAM brasileira.
Connes já havia ganhado a Medalha Fields, maior honraria no campo da Matemática que alguém pode almejar, pela sua obra e, especialmente, pela sua teoria chamada Geometria Não-Comutativa. Ele elaborou nos últimos trinta anos uma concepção de espaço não-comutativo que contém todas as álgebras que estendem os grupos de simetria relevantes para o Modelo Padrão das partículas elementares: “O que realmente me interessa são os complexos cálculos realizados pelos físicos e testados experimentalmente. Eu passei vinte anos tentando entender a renormalização. Não que eu não compreendesse o que os físicos estavam fazendo, mas eu não compreendia o significado da matemática por trás daquilo”, disse ele.
Connes e seu colega, o físico Dirk Kreimer, descobriram que a importante renormalização praticada pelos físicos há alguns anos podia ser completamente justificada por meio da solução obtida de um dos famosos 23 problemas de Hilbert formulados em 1900 no congresso de Matemática de Paris. Com isso, esses dois habilidosos usuários da Matemática deram um grande passo na direção da unificação da Teoria da Relatividade com a Mecânica Quântica. É inegável que vivemos tempos excitantes!
Juntamente com o físico Carlo Rovelli, Connes mostrou que o tempo pode emergir naturalmente da não- comutatividade das quantidades observáveis da gravidade. Alguém poderia imaginar um teorema mais bonito do que esse? O tempo não está dado de antemão, não é anterior a qualquer outra coisa. Ele simplesmente aparece como conseqüência da observação da gravidade.
Aqueles que não se impressionaram com a dedução da partícula de Higgs, se seres racionais, continuariam ainda adotando uma postura letárgica e indiferente diante desse teorema sobre o tempo?
Connes relata que sua Teoria Não-Comutativa da realidade física é diferente da Teoria das Supercordas. Essa última não pode ser testada diretamente por nenhum laboratório, construído ou imaginado pelo Homo sapiens sapiens, nesse estágio da Ciência e da Tecnologia. Entretanto, Connes previu a massa da partícula de Higgs: 160 bilhões de Elétron-volts; e afirma que essa previsão e a renormalização poderão ser testadas no Grande Colisor de Hádrons.
De fato, essa é uma notícia inestimável. Nos próximos anos poderemos ter acesso a publicações que expliquem, razoavelmente, aos leigos a realidade das partículas elementares, a unificação da Teoria da Relatividade de Einstein com a Mecânica Quântica e a bela matemática das álgebras que estão por trás de todas essas simetrias, anti-simetrias e quebras de simetria.
A segunda notícia inestimável, especialmente para os matemáticos e físicos, é sobre a Economia que pode parecer um tanto paradoxal e que dividiremos em duas partes.
A primeira parte é que, depois de um grande desenvolvimento no Século XX, pode-se ver matematicamente que a forma como a Economia produz riqueza mudou radicalmente.
A Matemática tem contribuído fundamentalmente para um tratamento rigoroso e científico da Economia, especialmente no Século XX. Em outubro de 1990, o economista Paul Romer publicou um artigo apresentando um modelo matemático extremamente original e corajoso sobre a natureza do crescimento econômico. Romer mostrou matematicamente que, depois de duzentos anos, a Economia do Conhecimento saiu da informalidade e de uma posição desconfortável na retaguarda da Teoria Econômica.
Se permitirmos que nossa imaginação faça um vôo livre por alguns instantes, então não será difícil associarmos “Economia do Conhecimento” com “Desenvolvimento Acelerado da Matemática”. Esse tipo de associação não é novidade. O aparecimento do Cálculo Infinitesimal nos Séculos XVI e XVII acelerou-se e a observação da Natureza tornou-se “Física” ou “Observação da Natureza com Conhecimento”. Poderíamos dizer o mesmo da “Química” e de muitos outros ramos do conhecimento humano.
No final do Século XIX, engenheiros britânicos às voltas com difíceis problemas eletro-técnicos, advindos da construção de redes de telégrafos e de eletricidade, descobriram que muitos desses problemas podiam ser formulados matematicamente e resolvidos aproveitando-se o estágio de desenvolvimento do “Cálculo Acelerado” e da “Física Acelerada”. Nesse caldo de cultura apareceu Oliver Heaviside com seu enigmático e genial “Cálculo Operacional”. Albert Einstein enxergou os Tensores da Geometria Diferencial com a ajuda de seu colega e amigo Marcel Grossman, professor de Matemática da escola Politécnica de Zurich. Existe uma história riquíssima de aceleração do conhecimento matemático implicando na aceleração dos demais conhecimentos.
Por que esse fenômeno também não ocorreria em relação à Economia?
Se o intrincado sistema de incentivos à criação de novas idéias é subdesenvolvido, então a sociedade sofre pela falta generalizada de progresso, tanto quanto quando esses incentivos são muito abundantes ou muito restritos.
O fenômeno do retorno minguante cedeu a sua posição fundamental ao fenômeno do retorno crescente ou retorno abundante. O axioma da escassez de recursos cedeu lugar, em parte, ao novo axioma da abundância de recursos. O espaço da Economia não é mais o espaço de pessoas e coisas, mas sim, agora, o espaço de pessoas, coisas e idéias. A abundância de idéias tende a gerar abundância de recursos e de bens. Esse terceiro elemento, representado pela palavra “idéias” é a chave para se entender um enigma fundamental da Economia, o da criação mais rápida e maior de riqueza.
Vem se difundindo e se consolidando a idéia de que a Economia cria riquezas de modo cada vez mais veloz e intenso, e cada vez mais abundante, porque seus fatores de produção não são mais apenas terra, capital e trabalho, mas, além disso, pessoas, coisas e idéias. Essa é a primeira parte da segunda notícia inestimável.
A segunda parte da segunda notícia inestimável é que por meio de uma combinação da Teoria dos Jogos, uma teoria genuinamente matemática, da Teoria da Computação e da atual Teoria da Evolução na Biologia, vem-se desenvolvendo uma visão de que a Economia possui processos de inovação análogos aos processos que geram diversidade na biosfera e sua dinâmica evolui segundo as leis do Darwinismo.
Nessa perspectiva, a maneira como a Economia cria riqueza seria um processo adaptativo evolucionário. Aqui parece haver um paradoxo no sentido de que a Matemática, no campo de equações, torna-se inútil uma vez que processos evolucionários não são equacionáveis. Esse é o tema que vamos, nas próximas colunas, estudar e compartilhar com nossos leitores.