O jogo da qualidade de vida V
R4: o indivíduo é um oponente importante de si próprio no JQVI.
O jogo da qualidade de vida IV
O indivíduo busca, na Biosfera, os recursos para preservar ou para melhorar sua QV segundo sua constituição psicológica. Suporemos no JQVI um subjogo onde os jogadores são os fatores psicológicos do indivíduo, incluindo o próprio indivíduo, que atuam na definição, na escolha, na organização e na maneira de usá-los.
A psique, conforme se movimenta, aponta a direção dos interesses do indivíduo. Podemos nos inspirar em Carl Gustav Jung para concebermos dois tipos gerais de disposição psíquica. O sujeito tem duas tendências básicas em relação ao objeto. O introvertido tende a se afastar do objeto, abstraindo-o, como se tivesse certeza de que este não tem muito valor. O extrovertido tende a se aproximar do objeto e a afirmar sua significação como que para compensar a dúvida sobre seu valor suficiente. Podemos imaginar outros tipos intermediários com diferenças apenas no grau da tendência da psique a se afastar ou se aproximar do objeto.
A psique atua no subjogo psicológico do indivíduo na forma dos jogadores inconsciente e consciente. Sua estratégia introvertida ou extrovertida é escolhida pelo inconsciente. Este é muito mais amplo na psique do que o consciente. O ajustamento biológico com o objeto se dá por meio do inconsciente desde a concepção do sujeito, enquanto que o consciente vai se formando até o momento em que o sujeito se vê como indivíduo.
Portanto, o indivíduo poderia se ver no seguinte subjogo interior. É forçado a lidar com objetos e vem fazendo isso desde que se constituiu como psique, isto é, como um tipo de matéria capaz de viver. Pode-se viver melhor ou pior. Viver é não apenas lidar com os objetos, mas lidar consigo mesmo. Sua disposição para o objeto é de aproximação ou de afastamento, com maior ou menor intensidade. Assim, pode assumir dois tipos de estratégia: ser introvertido ou ser extrovertido.
Para si, é forçado a confrontar sua consciência, que vem se desenvolvendo desde um início imemorial, com seu inconsciente que sempre esteve ali preso à sua matéria vista como seu corpo.
Viver é o resultado do ajustamento da psique com os objetos do mundo e consigo mesma. Psique é matéria capaz de autorepresentar, isto é, de representar para si suas potencialidades ou seus instintos. Como o cão sabe se ataca ou se abana o rabo? Como a barata sabe se foge ou se examina calmamente o resto de comida humana? Esses seres não poderiam agir de dois modos distintos se não representassem a si próprios suas potencialidades ou seus instintos, isto é, se não fossem psique. Entretanto, o indivíduo humano é psique com uma capacidade a mais, justamente a de representar para si as representações de suas potencialidades ou de seus instintos. Essa representação superior, ou de segundo nível, é capaz de estruturar as representações inferiores, ou de primeiro nível.
O inconsciente do indivíduo, parte da psique dificilmente acessível, produz representações por meio de símbolos de uma maneira diferente da consciência que pode evoluir em sua capacidade de representação estruturante de representações inferiores. A consciência pode atingir o estado de razão ou matemática.
A linguagem falada é uma representação de segundo nível sofisticada, porém ainda se encontra muito próxima do primeiro nível. É interessante observar a linguagem falada do analfabeto e constatar que a falta da escrita lhe cria dificuldades na qualidade da informação, enquanto informação em si sem consideração de seu significado, que pretende transmitir.
A escrita, há 4.000 anos, é um indício do aparecimento do estado da consciência denominado razão ou matemática. A representação da linguagem falada na forma escrita exige uma estruturação lógica, uma função operadora de símbolos. Por exemplo, se escrevo “eu quero” imediatamente percebo a operação “eu + quero = ?” e, portanto, a necessidade do objeto direto como resultado. Portanto, a escrita é uma forma inicial de razão ou matemática e já está distante do primeiro nível de representação.
Razão ou matemática é um estágio de evolução da consciência que, por sua vez, é um estágio na evolução da psique que, por sua vez, é um estágio na evolução de um tipo de matéria que, por sua vez é um estado possível do Universo, portanto, um dos estágios de sua evolução. Razão ou matemática é a capacidade da consciência de estruturar as representações de primeiro nível da psique. É importante notar que toda representação de segundo nível que representa, portanto, outras representações, é necessariamente estruturante. De fato, não é possível formar um conjunto de conjuntos C1, C2, ... , Cn sem que se domine a totalidade. O número n é uma propriedade imediata da totalidade C = {C1, C2, ... , Cn}. Entretanto, a própria totalidade é uma representação anterior ao seu cardinal n, mas essa notável propriedade imediata demonstra que a totalidade é uma representação estruturante.
Assumimos, pois, as seguintes estratégias presentes no subjogo interior JI do indivíduo.
JI1: O indivíduo se vê como uma capacidade de representação
das representações de suas potencialidades ou instintos, ou ainda,
como psique capaz de representar suas representações de primeiro
nível. Sua vida é sua psique e, reciprocamente, sua psique é a sua
vida.
JI2: Há duas possibilidades de disposição do indivíduo frente ao objeto.
Introversão ou extroversão. Isto é, o indivíduo sempre tende a se
afastar do objeto, abstraindo-o, como quem já sabe que ele não tem
muito valor, ou sempre tende a se aproximar do objeto como se
tivesse dúvida sobre o seu valor e necessitasse afirmá-lo para
compensar a dúvida.
JI3: O indivíduo tem dificuldade em lidar com seu inconsciente, mas não
pode eliminá-lo. A estratégia é procurar descobrir um modo de
convivência pacífica. O custo da não descoberta é a neurose.
JI4: O indivíduo tem dificuldade em lidar com sua consciência, mas esta
é diferente do inconsciente. Entretanto, a consciência se relaciona
com o inconsciente, quer o indivíduo queira ou não. Ele pode
assumir a estratégia de aprimorar sempre a consciência na direção
do autoconhecimento e pressupor que essa estratégia minimize os
prejuízos de um viver inadequado. Os prejuízos podem ser o
sofrimento psíquico mais geral ou qualidade de vida menor.
Os detalhes da aplicação de JI1, JI2, JI3 e JI4, são a vida de cada um.
Poderíamos considerar mais precisamente a natureza da representação de uma potencialidade? Depois desse raciocínio que desenvolvemos até aqui, vem-nos à mente a idéia de que uma representação de uma potencialidade não é nada mais que uma informação sobre si mesmo. A psique é, portanto, matéria no estado de informação. Assim como a matéria m pode se expressar como energia E (e Einstein nos legou a fórmula E = m c2), ela também pode se expressar no estado de informação.
Em um estágio inicial de evolução, a matéria em estado de informação só pode informar-se de si mesma, ou seja, informar-se de suas potencialidades. Em um estágio seguinte de evolução, ocorre uma espécie de “salto quântico” e a matéria que já era capaz de informar-se sobre si mesma adquire a capacidade de segundo nível de informar-se, agora, sobre suas informações, isto é, torna-se psique consciente.
À medida que evolui, a psique consciente pode aprimorar cada vez mais suas informações de primeiro nível e suas informações de segundo nível. Pode acabar se tornando plenamente consciente de sua natureza íntima. Talvez esse seja o significado da intrigante frase de Werner Heisenberg: “O homem investiga a natureza e encontra a si próprio”.
Subitamente, nos damos conta de que um ser que é capaz de produzir informação pode evoluir naturalmente por meio do aumento da informação e, ao sofrer uma mutação, pode adquirir naturalmente a capacidade de produzir informação sobre suas informações. Além disso, informação é um estado da matéria de natureza oposta à da energia. Enquanto a energia tende a se dissipar facilmente fazendo o mundo material direcionar-se a um estado de desordem, a informação tende a aumentar expressando um comportamento rigorosamente simétrico mas oposto.
Subitamente, nos damos conta de uma idéia intrigante. A expressão psíquica parece ser uma compensação da entropia ou, reciprocamente, a entropia se parece com uma compensação da expressão psíquica.
JI5: O indivíduo pode assumir a estratégia da curiosidade sobre si
mesmo e, explorando sua capacidade natural de produzir
informação, ser crescentemente criativo tendendo a compensar os
maiores prejuízos possíveis da existência que são os medos do
abandono e do sofrimento psíquico.