Simetria, Anti-simetria e Quebra de Simetria III
Inventou-se, então, um novo número indicado pela letra i com a propriedade de que i2 = -1. Esse número não cabe na reta Euclidiana onde os números reais se acomodaram sem deixar espaço para nenhum outro número. Matemáticos satisfizeram o desejo de representar geometricamente os múltiplos de i escolhendo um plano Euclidiano, com uma reta para representar os reais e a reta perpendicular que passa pelo zero para representar os imaginários puros. Batizaram o novo eixo de “eixo imaginário” e o número i passou a ser o gerador desse eixo, assim como o real 1 é o gerador do eixo real.
Assim, qualquer número real da forma a.1 passou a ter um análogo imaginário da forma a.i. Imediatamente, surge uma pergunta inevitável: que universo é esse onde habitam números reais a e números imaginários b.i onde b é real?
Está claro que pela própria natureza da invenção do eixo imaginário, esse universo é o plano Euclidiano. Ou seja, cada ponto do plano representa um número novo que chamaremos de “número complexo”. A representação geométrica desses números no plano Euclidiano pode ser feita por meio de flechas, com origem no ponto intersecção dos eixos escolhidos que pode ser representado por coordenadas (0, 0) ou pela expressão 0 = 0 + 0i.
Já observamos que queremos preservar todas as propriedades do corpo dos números reais. A próxima pergunta inevitável é a seguinte: os números complexos também têm uma estrutura algébrica de corpo? A resposta é conhecida dos leitores e é afirmativa. Podemos dizer que áC, +, 0, ×, 1, distributivañ é um corpo onde C = {a + bi: a, b Î R} é o conjunto dos números complexos. A primeira grande diferença é que perdemos a ordem compatível com as operações de adição e multiplicação. Isto é, não podemos trabalhar com a noção de que “um número complexo é menor do que outro” de modo compatível com a adição e a multiplicação. Lembremos que, se para dois números reais temos a relação a < b, e se c é um número real positivo, então ac < bc. Se aplicarmos esse raciocínio ao número i, supondo que ele é positivo, obtemos: 0 < i implica em 0.i < i.i, ou seja, 0 < -1, que é um absurdo. Da mesma forma, não dará certo supor que i é negativo. Como i não é zero, vemos que as propriedades de ordem dos números reais não podem ser estendidas aos números complexos.
É uma perda intrigante. Ela representa uma limitação para os fenômenos da Natureza ou, ao contrário, permite uma diversidade maior de comportamentos dela? Essa á a questão maior, e difícil, que nos motiva a escrever essas notas.
Não podemos nos esquecer de que a invenção de i2 = -1 também foi “intrigante”. Na verdade, é melhor trocarmos esse adjetivo para “estimulante”. Fomos bloqueados no desejo de estender a ordem dos reais aos complexos mas, por outro lado, ganhamos muito em capacidade de resolver equações polinomiais. De fato, não apenas a equação x2 = -1 passa a ter soluções no universo dos complexos, como também qualquer polinômio da forma xn + an-1xn-1 + ... + a1x + a0 = 0, onde os coeficientes são reais ou complexos, passa a ter “n soluções”. O grande matemático C. F. Gauss nos legou esse conhecimento de modo rigoroso. Estamos, então, diante de uma grande expansão do universo numérico. Nele podemos extrair n raízes n – ésimas de z = a + bi. Exceto, evidentemente, no caso do 0 que possui apenas uma raiz n – ésima, ele mesmo. Todos os outros números complexos z possuem n raízes n – ésimas distribuídas simetricamente em uma circunferência centrada em 0 de raio igual à raiz n – ésima da distância de z até 0 indicada
por |z|.
As simetrias presentes na estrutura algébrica dos números complexos são notáveis. Não podemos apresentá-las aqui, mas precisamos apresentar sua estrutura vetorial. Para adicionar dois números complexos, z = a + bi e w = c + di, podemos imaginar duas forças aplicadas no ponto (0, 0) e sua resultante z + w = (a + c) + (b + d)i. O nosso leitor conhece essa interpretação como “regra do paralelogramo”. Essa interpretação é uma grande aplicação dos vetores à física da Natureza. É inevitável, então, perguntar: quais outras interpretações de fenômenos físicos são possíveis com os vetores?
São inúmeras as aplicações dos números complexos aos fenômenos da Natureza. Antes de tudo, as aplicações dos números complexos à Geometria e a outras áreas da Matemática são fantásticas. Não podemos apresentá-las aqui, nem sequer dar uma idéia. Entretanto, vamos precisar da idéia de “multiplicação de vetores”. Ao impormos que os números complexos mantenham o máximo de propriedades possíveis dos números reais, somos forçados a admitir que z.w = (a + bi).(c + di) = (ac – bd) + (ad + bc)i.
Porém, geometricamente, é importante “enxergar” o efeito da multiplicação. Então, utilizando a descoberta do grande matemático Leonhard Euler de que z = |z| eiq e w = |w| eif, onde e é o número de Euler, e q e f representam os ângulos entre os vetores z e w com o eixo dos reais denominados “argumentos” dos números complexos. Assim, se z = a + bi, então |z| = (a2 + b2)1/2, pelo Teorema de Pitágoras, |z| cos q = a, |z| sen q = b, e a descoberta de Euler se escreve como eiq = cos q + i sen q .
Há, na fórmula de Euler, uma noção implícita de potências complexas que não poderemos discutir aqui, mas lembramos que vale a regra de multiplicar potências de mesma base mantendo-se a base e somando-se os expoentes. Por essa regra, podemos escrever z.w = |z| eiq . |w| eif = |z|.|w| ei(q +f). Esse resultado mostra claramente que na multiplicação de complexos, suas distâncias até a origem são multiplicadas e seus argumentos são somados. Essa interpretação geométrica da multiplicação complexa tem uma grande importância e se aplica ao estudo de fenômenos da Natureza.
Como estamos interessados nas aplicações mais básicas aos fenômenos da Natureza, interessa-nos mencionar a possibilidade de multiplicar os vetores planos complexos de outras duas maneiras. A primeira é para representar o trabalho realizado pela força z = a + bi supondo que ela desloque um corpo de A até B. Os pontos A e B podem ser representados também por números complexos e, portanto, podemos escrever B – A = w = c + di. A teoria física nos diz que somente a componente de z na direção de w produz o deslocamento w. É uma grande sorte ter uma simples fórmula algébrica para calcular o trabalho realizado nesse deslocamento. É o chamado produto escalar: z · w = (a + bi) · (c + di) = ac + bd! A simplicidade dessa fórmula é ainda mais impressionante quando lembramos que os físicos definiram o trabalho realizado pela força z com deslocamento w por meio da fórmula z · w = |z|.|w| cosa, onde a é o ângulo que a força z faz com o deslocamento w. Isso porque |z|.cosa é a intensidade de força que move o corpo no deslocamento de intensidade |w|.
Podemos demonstrar que z · w = |z|.|w| cos a = ac + bd! É uma grande fórmula que nos leva imediatamente à pergunta: que outras fórmulas simples e interessantes existem envolvendo multiplicação de vetores que medem fenômenos da Natureza? Surpreendentemente, descobrimos que há ainda mais uma multiplicação admissível para os vetores planos complexos com importante significado físico. Os vetores z = a + bi e w = c + di podem ser interpretados geometricamente como lados geradores de um paralelogramo com comprimentos |z| e |w|. Não é novidade para o leitor que área do paralelogramo = |z|.|w| sen a. O que nos interessa explorar aqui é a extraordinária fórmula “área do paralelogramo = |z ´ w|”, onde z ´ w é o chamado produto vetorial conhecido também do nosso leitor.
Esse produto mede, por exemplo, o torque produzido pela força w aplicada em um ponto que determina o braço de alavanca z. Mais precisamente, o que queremos explorar é o fato de que quantidades físicas como, por exemplo, o torque, são simplesmente representadas por uma multiplicação vetorial que é uma das possibilidades de multiplicação de vetores. É inevitável perguntar: há ainda outras multiplicações possíveis para os vetores com significado físico relevante?