Uma descida infinita
A equação Diofantina mais famosa é a equação de Fermat xn + yn = zn. Quando n=2 temos x² + y² = z² de onde obtemos as ternas Pitágoricas. Sua solução apareceu durante a antiguidade clássica, na obra “Os Elementos”, do matemático grego Euclides. O progresso seguinte foi obtido 1400 anos depois por Fermat, Leibniz e Euler. Desde o século 17, muitos entre os maiores matemáticos tentaram em vão reconstruir a demonstração maravilhosa que Fermat afirmava possuir para o fato de que xn + yn = zn não tem solução para inteiros e positivos quando n>2. Fermat dizia que ela não cabia na margem de sua cópia do livro “Arithmetica” de Diophantus . Comenta-se que em 1742, o maior matemático do século 18, Leonhard Euler, pediu a seu amigo Clerôt para vasculhar a casa de Fermat em busca de algum pedaço de papel com alguma indicação da demonstração de Fermat, mas nada foi encontrado. Entretanto, Euler deu a primeira demonstração correta, porém incompleta, para o caso do expoente n=3.
Observe que se o expoente n>2 não é um número primo, então o expoente ou é uma potência de dois ou é divisível por algum número primo ímpar p. No primeiro caso, n=4k e a equação pode ser reescrita como
(xk)4 + (yk)4 = (zk)4. Entretanto Fermat demonstrou que a soma de duas quartas potências não pode resultar em uma quarta potência. No segundo caso n=pk, e a equação torna-se (xk)p + (yk)p = (zk)p Portanto para se demonstrar que a equação não possui solução para potências inteiras arbitrárias, é suficiente demonstrar que a equação não é solúvel quando n=p, sendo p um primo ímpar. Podemos simplificar o problema ainda mais se observarmos que se x, y, z formam uma solução da equação de Fermat e quaisquer dois deles são divisíveis por um mesmo inteiro d, então d também divide o terceiro (por exemplo, se d divide xp e zp, então existem inteiros a e b tais que xp = da e zp = db; logo yp = zp - xp = db -da = d(a - b), e assim d é um divisor de yp. Portanto, é suficiente determinar soluções que são relativamente primas duas a duas. Elas são denominadas “primitivas”. Se p é um primo ímpar então (-z)p = -zp e podemos enunciar o teorema de Fermat da seguinte maneira: “se p é um primo ímpar, então xp + yp + zp = 0 não possui soluções inteiras x, y, z que são relativamente primas duas a duas e tal que xyz≠0.
No caso n=4, a demonstração é atribuída a Fermat. Essa demonstração baseia-se em uma forma de indução inventada por ele e denominada de “Método do Descendente infinito”. Esse método foi aplicado com muito sucesso em inúmeros outros problemas e utiliza a demonstração indireta também conhecida como demonstração por "Reductio ad Absurdum". Dessa forma a contradição decorre da negação da tese e concluímos que a tese original é verdadeira. O Método do Descendente pode ser descrito brevemente como segue: assumimos a existência de uma solução inteira e positiva de um problema em questão, e a partir dela mostramos que podemos obter outra solução de valor inteiro e positivo menor que a anterior e continuamos dessa maneira. Este argumento é contraditório, pois, se partirmos de um valor positivo e construirmos uma seqüência decrescente de valores positivos a partir deste valor dado, após um número finito de passos obteremos ou o valor zero ou inteiros negativos. Portanto chegamos a uma contradição que decorre do fato de supor-se que o problema possui uma solução inteira e positiva e, assim, por redução ao absurdo decorre que o problema não possui solução. Na próxima coluna vamos demonstrar o caso n=4 do Teorema de Fermat utilizando o Método do Descendente.