Equações Diofantinas I
Desde a antiguidade sabe-se que a procura de todos os inteiros positivos que satisfazem a identidade x² + y²= z² é equivalente ao problema de se determinar todos os triângulos retângulos cujos lados são inteiros. Tais ternas são denominadas Pitagóricas e a equação x² + y² = z², cujas soluções são inteiros positivos, é chamada de equação Diofantina. Esta equação pode ser generalizada para xⁿ + yⁿ = zⁿ, onde n é um número natural e n > 2. É conhecida como equação de Fermat, a mais famosa da matemática e será tema de algumas de nossas reflexões. Um outro exemplo famoso de equação Diofantina é a curva de Fibonacci, isto é, o sistema de equações x² + y² = z², x² - y² = t², que foi inicialmente estudado em 1220 por Leonardo de Pisa mais conhecido como Fibonacci.
O matemático grego Diophantus de Alexandria (4o Século A.C.) foi o primeiro a investigar o problema de se determinar soluções inteiras de equações, particularmente os casos em que o número de variáveis é maior que o número de equações. Diophantus contentava-se em encontrar uma única solução em vez de todas as soluções, e permitia soluções fracionárias em vez de soluções inteiras. Entretanto essa distinção é irrelevante: por exemplo, considere a equação x² + y² = z². Se uma solução fracionária é obtida, então a partir dela obtém-se uma solução inteira. Reciprocamente, se uma solução inteira é encontrada, obtém-se a partir dela uma fracionária. Por exemplo, da solução (3,4,5) obtemos a solução (3/6,4/6,5/6), isto é, (1/2,2/3,5/6) e vice-versa achando o mínimo múltiplo comum. Deve-se a Diophantus a idéia fundamental de estudar as soluções inteiras, e alguns teoremas básicos, sobre a representação de números como soma de quadrados, dos quais conhecia as demonstrações parcialmente, e outros cujas demonstrações desconhecia.
O estudo das equações Diofantinas é um dos mais belos e interessantes, e também um dos mais difíceis, pois em sua essência encontram-se as ligações profundas e sutis que a Teoria dos Números mantém com a Lógica, a Geometria Algébrica, e a Teoria das Aproximações Diofantinas. Por outro lado, não existe um método geral que decida se uma equação arbitrária possui ou não soluções inteiras, ou um método que estabeleça quantas soluções a equação admite. Em 1900, o matemático David Hilbert (1862-1943), um dos mais prestigiados e influentes de sua época, fez um discurso no Congresso Internacional de Matemática em Paris, onde anunciou os problemas que seriam, em sua visão, os mais importantes no Século XX. Entre tais problemas, o décimo se referia à investigação de um algoritmo que permitiria, em um número finito de passos, decidir se uma equação Diofantina arbitrária tem solução e, em caso afirmativo, qual o número de soluções. Nos anos seguintes, vários matemáticos investigaram intensamente a existência de tal algoritmo sem sucesso e então começaram a duvidar da existência de tal algoritmo. Em 1961, Martin Davis, Hillary Putnam e Julia Robinson, utilizando Lógica e Teoria dos Números, demonstraram que tal algoritmo não poderia existir, mas assumiram que uma certa hipótese era válida. Em 1970, o jovem matemático russo Y. Matijasievič demonstrou que a tal hipótese era verdadeira. Dessa forma, ficou demonstrado que tal algoritmo não poderia de fato existir. O interessante aqui é que um tal algoritmo, que sirva para resolver todas as equações Diofantinas, não existe, isto é, um algoritmo que decida para todas as equações, em um número finito de passos, se ela tem ou não solução. Mas isso não nos impede de eventualmente achar soluções, ou até mesmo todas as soluções de uma certa equação, como é o caso da equação x² + y² = z². Portanto, não existe uma receita comum para resolver todas as equações Diofantinas. Cada equação tem sua especificidade, o que explica, em parte, porque essa área de pesquisa é tão difícil.