Simetria, Anti-simetria e Quebra de Simetria VII
De qualquer forma, é intrigante, e ao mesmo tempo fascinante, essa obstrução para a existência de álgebras reais com divisão. A nossa pergunta, futuramente, será: qual é a capacidade dos octonions para descrever os padrões fundamentais do Universo? Há um longo caminho a ser percorrido, mas esperamos que o cansaço seja regiamente compensado pela paisagem.
Simetria, Anti-simetria e Quebra de Simetria VI
É impossível, em nosso percurso rumo à descrição dos padrões da Natureza por meio dos octonions, não fazermos uma parada na estação “Maxwell”.
Um campo vetorial F é um conjunto de pontos no espaço onde em cada ponto há um vetor atuando. Por exemplo, em cada ponto nas proximidades da Terra há o vetor força gravitacional atuando. Isso quer dizer que se alguém estiver nesse ponto, a força gravitacional atuará sobre ele e ele cairá em direção à Terra se nada for capaz de segurá-lo. A Lua, por exemplo, está caindo, mas devido à sua velocidade ela é impelida para um movimento circular resultante em volta da Terra. Um outro exemplo, é o campo magnético perto de um ímã. Ou ainda, lembremos que uma corrente elétrica produz um campo magnético ao redor de sua trajetória. Uma carga elétrica produz um campo elétrico radial análogo ao campo gravitacional da Terra.
Michael Faraday, (inglês, 1791 – 1867) descobriu a indução eletro-magnética. A constituição da matéria era um mistério e a relação entre a luz e o eletromagnetismo era insuspeita.
James Clerk Maxwell (escocês, 1831 – 1879) publicou o seu famoso Treatise on electricity and eletromagnetism, em 1873. Maxwell mergulhou nas pesquisas elétricas de Faraday e se propôs a formular uma teoria matemática da eletricidade e do magnetismo. A abordagem matemática de Maxwell foi tão brilhante que lhe permitiu descobrir teoricamente as ondas eletromagnéticas. Ele introduziu a noção de rotacional rot F de um campo vetorial F.
Gottfried Wilhelm Leibniz (alemão, 1646 – 1716) um dos descobridores do Cálculo Diferencial e Integral vislumbrou a derivação como um “operador D que atua sobre funções”.
Apenas duzentos anos mais tarde o genial engenheiro inglês Heaviside descobriu que essa idéia tinha profundas conseqüências práticas na vida humana ao resolver importantes problemas eletro-técnicos que não admitiam tratamento pelos métodos convencionais do cálculo conhecido à época.
Oliver Heaviside (inglês, 1850 – 1925) foi o primeiro a fazer uso extensivo e efetivo do operador derivação D em seu famoso Cálculo Operacional. Heaviside estudou sozinho o tratado de Maxwell sobre Eletromagnetismo e simplificou as vinte equações de Maxwell reduzindo-as a apenas quatro.
Maxwell, conhecedor de Matemática e Física, desvendou uma anti-simetria matemática notável presente na Natureza. Provavelmente, sua capacidade matemática foi o fator principal que lhe permitiu essa genial descoberta. Em particular, Maxwell usou as idéias que ele próprio concebeu da análise vetorial para desenvolver sua imaginação sobre o campo elétrico E e o campo magnético H.
Maxwell aceitou que um não vive sem o outro, mas que, surpreendentemente, obedecem a uma relação matemática simples e de uma anti-simetria perfeita. Qualquer um deles pode variar com o passar do tempo, mas não pode, de modo algum, variar de qualquer jeito. Só podem variar condicionados um ao outro. Em outras palavras, a velocidade de cada um é intimamente ligada ao outro.
A surpresa é a forma matemática que os relaciona quando o tempo passa. Assim, quando o campo elétrico E varia, sua velocidade ¶E/¶t — ou sua taxa de variação instantânea temporal — não é o dobro, nem a metade, nem mesmo uma fração, ou ainda um mero múltiplo do outro.
Maxwell decifrou o enigma com a noção de rotacional de um campo vetorial. A velocidade de um é um múltiplo do rotacional do outro. Assim, ¶E/¶t é um múltiplo do rotacional rot H do campo magnético H. E, pasmem todos, o fator requisitado pela Natureza é, nada mais, nada menos, do que a velocidade c da luz! Ou seja,
¶E/¶t = c rot H.
Não nos preocuparemos, no momento, em explicitar a fórmula do rotacional, porque apenas precisamos saber da perpendicularidade dele em relação ao vetor H.
Imaginemos o vetor H como sendo uma força circulando na circunferência C de um pequeno disco S. Isto é, em cada ponto de C tem um vetor H representando o campo magnético. Uma visualização muito útil é a de uma flecha saindo do ponto de aplicação do vetor. À medida que o ponto desliza sobre a circunferência C essa flecha vai se alterando, mas sem mudanças bruscas. Na linguagem matemática ela vai se alterando continuamente. Se projetarmos a flecha H sobre a reta tangente a C em cada ponto de aplicação de H, então temos a componente tangencial de H que realiza trabalho no caminho C.
O trabalho t realizado por essa força tangencial a C chama-se circulação de H em C. Se dividirmos esse trabalhot pela área do pequeno disco S, então teremos a densidade de circulação por m2.
Na verdade, supomos o raio do disco tendendo a zero e, portanto, no limite, obtemos uma quantidade denominada projeção perpendicular de rot H. A projeção perpendicular do vetor rot H é aplicado no centro dos discos S e, portanto, é perpendicular aos vetores H que vão circulando em suas circunferências, e tem como magnitude, ou intensidade, a densidade de circulação de H. Para saber se a componente perpendicular do vetor rot H aponta para “cima” ou para “baixo” do disco, pense na regra da mão direita, ou seja, pense que H tem a direção dos quatro dedos da sua mão direita e que rot H é o polegar na posição perpendicular a eles.
Se H circular na linha fronteira C de uma superfície S no espaço como, por exemplo, uma semi-esfera, ou seja, como uma metade da casca de uma laranja, então o trabalho que essa força realiza ao dar uma volta completa em C, é exatamente o fluxo de rot H através de S. A componente perpendicular da flecha rot H fura os pequenos discos S perpendicularmente formando um fluxo.
Uma vez entendida a noção de rot H, podemos imaginar uma superfície S tendo vetores H circulando em sua fronteira C e as projeções perpendiculares a S dos vetores rot H atravessando S. A quantidade desse fluxo é exatamente a quantidade de trabalho dada pela circulação de H em C. É o que garante o famoso Teorema de Stokes. Entretanto, a projeção perpendicular a S do vetor rot H em um ponto particular é apenas a densidade da circulação por m2 de H em torno desse ponto.
Por exemplo, imagine S como a secção transversal de um fio cilíndrico e C como a circunferência de S. Nesse caso, H circula na parede do cilindro enquanto que uma corrente elétrica passa pelo fio exatamente com a mesma direção de rot H. Ou seja, a componente tangencial da flecha H desliza sobre C sempre a tangenciando e a flecha rot H é paralela ao vetor corrente elétrica i.
Maxwell vislumbrou que, quando o campo magnético varia com o passar do tempo, sua taxa de variação instantânea temporal se relaciona com o campo elétrico, e se comporta, surpreendentemente, de forma anti-simétrica, digamos, em relação ao que aconteceu com a taxa de variação instantânea temporal do campo elétrico E.
Ou seja,
¶H/¶t = – c rot E,
fórmula conhecida como Lei de Faraday, enquanto que:
¶E/¶t = c rot H,
fórmula conhecida como Lei de Ampère. Esses nomes se devem às descobertas experimentais dos grandes cientistas Faraday e Ampère em seus laboratórios. Entretanto, as formulações matemáticas acima são de Maxwell e simplificadas pelo engenheiro inglês Heaviside.
Alguém poderia imaginar simplicidade e beleza maiores do que essa? Quem quiser que apresente sua proposta.
Mais impressionante ainda é o fato de que a Natureza se comporta de acordo com as operações algébricas possíveis de se efetuar com esses vetores.
A taxa de variação instantânea da densidade de fluxo elétrico é dada pelo divergente de E. Sem precisar explicitar a fórmula do div E, lembramos que tal operação tem a seguinte propriedade:
div rot F = 0
para qualquer campo vetorial F que admita, pelo menos, a segunda derivada. Poderíamos dizer aqui, intuitivamente, que F tem “aceleração” como se espera de “coisas presentes na Natureza”. Logo, temos:
div (¶E/¶t) = c div (rot H) = 0.
Notemos a álgebra vetorial funcionando aqui, isto é, o div trocando de posição com a constante c. Além do mais, o div também troca de posição com a derivação, ou seja, podemos calcular primeiro o div de E e depois a velocidade ¶_/¶t. Assim, o div da velocidade ¶E/¶t é o mesmo que a velocidade ¶_/¶t do div E:
¶(div E)/¶t = div (¶E/¶t) = c div (rot H) = 0.
Portanto, concluímos, pelas equações de Maxwell, que ¶(div E)/¶t = 0. Isso significa que a
velocidade ¶_/¶t do div E é zero, ou seja, que o div E não varia com o passar do tempo e, portanto, está parado. Quem está parado só pode ter sempre o mesmo valor, ou um valor constante. Isso quer dizer que div E = K = constante.
Se um campo elétrico tem divergente zero em algum instante, isto é, se div E = 0 para um certo instante t, então ele será sempre zero depois disso porque tem que ser constante de acordo com a última equação acima.
Para continuar nossa apreciação da estação “Maxwell”, precisaremos recorrer a uma pequena parte da obra de um dos três maiores gênios da Matemática: Carl F. Gauss. É o que faremos na próxima coluna.