Matemática e Música: em busca da harmonia (parte 6)
O matemático francês percebeu que os construtores de órgão haviam descoberto intuitivamente os harmônicos, misturando-os por meio de registros com o intuito de obter distintos timbres. Os organistas misturavam os botões do órgão quase que da mesma maneira com que pintores misturam cores, imitando a harmonia da natureza observada nos objetos sonoros.
Entre os contribuintes para a relação matemática/música no século XVIII, encontram-se Leonhard Euler (1707-1783), Jean Lê Rond d’Alembert (1717-1783) e Daniel Bernoulli (1700-1782). Segundo Euler, o ouvido tendia a simplificar a razão percebida, especialmente quando tons dissonantes seguiam-se após uma progressão harmônica.
A conexão mais precisa entre altura de som musical e frequência – velocidade de um movimento vibratório – ocorreria no século XVIII com D’Alembert. Ele afirmou que um som natural não era puro, mas complexo, sendo obtido pela superposição de diversos harmônicos de uma série. Um harmônico caracterizava-se pela sua amplitude, que assume grande importância na síntese sonora.
Daniel Bernoulli afirmou que a vibração de um corpo sonoro poderia ser observada com superposição de seus modos simples como distintas amplitudes, porém não havia princípios gerais sobre os quais a prova de tal afirmação poderia ser experimentada. Esta afirmação de Bernoulli ancorou-se teoricamente nos experimentos de Fourier em área aparentemente distantes do universo musical. Nas primeiras décadas do século XIX, Fourier mostrou como representar qualquer curva periódica pela superposição de ondas senoidais correspondentes às frequências 1, 2, 3, 4 vezes a frequência da curva original.
O teorema de Fourier, não apenas concretizou o ponto de vista de Daniel Bernoulli em acústica, como se transformou no fundamento para análises de harmônicos, consonância/dissonância, batimentos dissonantes, assim como distintos conceitos musicais aparentemente dissociados da matemática.
4.1. A Contribuição matemático-musical de Gioseffo Zarlino
Teórico e compositor italiano de Chioggia – Zarlino integrou teoria e prática, como modelo para seus escritos. Preocupando-se com a razão das consonâncias perfeitas, Zarlino mostra-se pioneiro no reconhecimento da tríade em termos harmônicos enquanto falava-se apenas em intervalos; na elaboração de uma explicação racional da antiga regra que proibia a utilização de quintas e oitavas paralelas assim como no reconhecimento da antítese menor/maior.
Acreditando que a música possuía a capacidade de provocar o bem e o mal, o compositor italiano concordava com Platão ao se preocupar com uma utilização prudente dessa arte. Embora nem sempre ressonantes conceitualmente com a perspectiva teórica de Zarlino, as concepções pitagórico-platônicas e humanistas – mais particularmente a numerologia – forneceram subsídio para que o compositor italiano estabelecesse critérios de utilização de consonâncias e de procedimentos musicais próprios e impróprios em nível geral relacionando, por exemplo, intervalos consonantes com razões simples.
Segundo Zarlino, a perfeita harmonia consistia em diversidade, relutante de elementos distintos entre si, discordantes e contrários possuindo em suas partes, proporções, movimentos e distâncias variadas em relação às regiões graves e agudas. Compara a música à natureza e afirma que a verdade e excelência dessa admirável e útil advertência são confirmadas pelos fenômenos da natureza, pois gerando indivíduos de uma mesma espécie, ela os faz similares uns aos outros, mas diferentes em alguns aspectos particulares, uma diferença ou variedade que proporcionam maior prazer aos nossos sentidos.
Apoiado na antiga doutrina de médias harmônicas e aritméticas, Zarlino revelou preferência pela terça maior frente a menor, uma vez que se obtinha essa última pela média aritmética dos comprimentos que produziam as notas componentes do intervalo de quinta, enquanto que à terça maior subjazia a fração obtida pela média harmônica dos comprimentos inerentes às notas componentes do mesmo intervalo.
Diferentemente de Pitágoras – que gerava intervalos por superposições de quintas – e assim como outros teóricos de sua geração, Zarlino obtinha intervalos dividindo-os adicionando-os e subtraindo-os, mas nunca invertendo-os. Zarlino explicou a propriedade consonante das sextas como superposição dos intervalos de quarta perfeita e terça e não como inversão das terças, o que só viria a ocorrer a partir do início do século XVII, quando teóricos passaram a utilizar explicitamente tal procedimento. O compositor italiano e seus predecessores compreendiam dissonâncias como cortes momentâneos no processo consonantes que, produzindo variedade, enfatizavam a perfeição das consonâcias.
Zarlino defende ainda que toda harmonia – composição e contraponto – devem constituir-se principalmente de consonâncias, utilizando-se dissonâncias apenas secundariamente e incidentalmente em nome da elegância e da beleza.
Nesse ponto, o compositor italiano estabeleceu um forte elo entre poetas, músicos e pintores que, adaptando ou pretendendo pintar histórias ou fábulas como melhor lhes pareciam, adequava as figuras, arranjando-as em sua composição. Portanto, ele não hesitava em colocar uma consonância num determinado lugar, assim que observava a ordem original da história ou fábula que tentava representar. Além disso, inúmeros pintores retrataram um simples assunto de muitas maneiras. O músico também deveria procurar variedade no seu contraponto sobre o sujeito, e se ele pudesse inventar muitas passagens, deveria escolher aquela que fosse melhor, mais adequada a sua proposta e mais capaz de tomar seu contraponto sonoro e ordenado.