Matemática e Música: em busca da harmonia (parte 7)
4.2. A ciência/música em Mersenne
Matemático, filósofo e músico teórico, Marin Marsenne (1588-1648) apresenta-se como um dos principais pensadores franceses do século XVII, cuja obra – a maior parte dedicada à ciência, teoria e prática de música – assume papel central nos movimentos científicos e acadêmicos da época. Mersenne transitou na confluência entre o Renascimento e o Barroco na França como personagem, cuja obra assumiu importante papel nos desenvolvimentos futuros da matemática/música.
Acreditando que a música era passível de análise e explicação racional, Mersenne atribuía importância a tal ciência – quando comparada a outras disciplinas – como área de pesquisa científica.
Sob uma ótica matemático-acústico-musical, Mersenne levantou questões cruciais, tais como a paradoxalidade aparente em uma nota vibrar em várias frequências ao mesmo tempo, sugerindo estudos mais criteriosos concernentes aos harmônicos. Embora o matemático francês fosse compositor, ele estabeleceu uma teoria baseada na prática, por exemplo, ao defender e fundamentar um temperamento igual na construção de instrumentos e ao explicar racionalmente as afinações.
A partir de 1630, seus escritores adquirem novas formas e interesses, culminado com a elaboração da Harmonie Universelle em 1636, cuja abordagem teórico-prática abarca relatos de distintos experimentos engenhosos, estudos sobre o som e reflexões concernentes à relação matemática/música que o faz muitas vezes ser considerado o pai da acústica. Variando os comprimentos e tensões, Mersenne verificou que, para frequências visualizáveis, a vibração de um fio esticado era inversamente proporcional ao comprimento da corda se sua tensão fosse constante; diretamente proporcional à raiz quadrada da tensão, se o comprimento da corda fosse constante e inversamente proporcional à raiz quadrada da massa por unidade de comprimento, para fios diferentes de mesmo comprimento e sujeitos à mesma tensão.
Para Mersenne, a média aritmética possuía caráter superior a harmônica, pois tomando números proporcionais às vibrações – causas primeiras do som -, a quinta na posição inferior resultava da média aritmética dos números que caracterizam a oitava. Mersenne descobriu, aplicando seus princípios, que a relação da frequência entre uma nota e sua oitava era respectivamente de 1 para 2, explicando ainda as características de colunas vibrantes de ar, bem como os fenômenos do eco e da ressonância. Foi ainda, o primeiro a determinar a frequência de uma nota musical estabelecida, bem como a velocidade de propagação do som no ar.
Mersenne considerava o monocórdio como suporte fundamental à compreensão não somente dos instrumentos de corda, mas de toda ciência musical, revela certa preocupação com o Temperamento quando divide a oitava em 12 iguais, obtendo nesse último caso o monocórdio harmônico da igualdade composto por 11 números irracionais resultantes de médias proporcionais.
4.3. Kepler e a música dos planetas
Matemático, astrônomo e filósofo nascido em Weil, Johannes Kepler (1571-1630) apresentou, fortes subsídios para a ciência musical. Em 1601, Kepler assumiu seu posto trabalhando na organização de calendários e na predição de eclipses como matemático e astrônomo da corte do imperador Rudolfo II em Praga até 1612, estabelecendo-se mais tarde em Linz, onde concluiu e publicou seu Harmonices Mundi em 1619. Principal contribuição do astrônomo alemão à teoria musical, essa obra compõe-se de 5 livros – os dois primeiros relacionam a origem das 7 harmonias com arquétipos inerentes à geometria e a Deus; o livro 3 apresenta um tratado sobre consonância e dissonância, intervalos, modos, melodia e notação; o livro 4 discorre sobre astrologia enquanto que o volume 5 aborda a Harmonia das Esferas.
Kepler julgou insatisfatória a experiência de Pitágoras com o monocórdio para o estabelecimento de intervalos consonantes. Acredita que possivelmente tal postura teria levado os pitagóricos à desconsideração dos intervalos de terças e sextas com consonâncias, reproduzindo o experimento do monocórdio com um maior número de repartições da corda.
Defendia a existência, conhecia desde os antigos, de escalas musicais peculiares a cada planeta, que soavam como se estes cantassem simples melodias, relacionando para isso velocidades dos planetas às frequências emitidas. Considerava os movimentos dos planetas uma música que traduzia a perfeição divina. Assim tentou explicar a variação de velocidade de um planeta por uma metáfora musical. Admitindo que movimentos rápidos e lentos associavam-se respectivamente a notas agudas e graves em sua construção imaginativa, o astrônomo alemão considerou que a razão das velocidades extremas determinaria um intervalo musical representante do planeta referido.
Conhecia ainda as leis de harmonia concernentes à relação entre intervalos musicais e comprimentos de cordas, bem como a lei fundamental dos harmônicos. Considerada por Kepler, tal lei afirmava que além de emitir um som fundamental, uma corda oscilante fornecia harmônicos superiores, correspondentes aos sons fundamentais das cordas de duas vezes, três vezes, etc mais curtas que a corda inicial.
O pensador alemão conecta ainda a matemática com a música ao estabelecer correspondências entre as distâncias médias dos planetas ao Sol e as razões de frequências numa escala musical diatônica em relação ao primeiro grau.